Acordei como acordam os tolos, cheio de felicidades

Acordei como acordam os tolos, cheio de felicidades
Estação Poesia

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

O DOMADOR DE ALMAS 
O SEU ÚNICO OFÍCIO, 
                                              AMAR…
Amo! Ah, como amo!
O meu único ofício é amar.
Salário? Nenhum… Pago promessas.
Sou o Funcionário Público do amor e amo todas as manhãs, tardes e noites nos gabinetes de trabalho da cidade, pelos armazéns das docas…nu, apaixonado e viril. Foi na secretária castanha que emprenhei a amásia do patrão. Cadelinha faceira!
A cabra tratou direitinho da minha desgraça. Aborto? Nem pensar! Mentir que o filho é do chefe, nunca! Pior, andou de barriga crescida por mais de nove meses, ainda tenho a impressão que foi por uns dezoito e tantos anos. E quando a criaturinha nasceu, já nasceu com dentes, cabelo, alfabetizada e de profissão. O meu menino é o Domador de Almas e, na injustiça de ser filho meu, e de estar cheio de amores com a mãe, surpreendeu-me a amar esta musa. Arrastou-me para a fogueira, arranjada em praça pública pela sua vontade e sem o seu amor de filho, só com a sua rivalidade de homem, acendeu os fósforos e desgraçou-me o corpo… O amor não me livrou o corpo das chamas, salvou-me apenas os olhos e o espírito, que não queimaram junto às minhas carnes e nudez.
Já não tenho corpo, só estes dois olhos, estas duas rodelas cinzas, amparadas sobre as tábuas dos soalhos dos escritórios ou nas frias pedras das ruas. É com eles, somente com eles, que conto para amar todas as mulheres que vejo.
Ela, a mãe do Domador de Almas, por despeito, não aconselhou o filho a poupar-me. Foi bonita e quando a possuí era a minha musa de fim de tarde, o meu sonho de cheiros e de prazeres. Quando lhe dei as costas e fui em busca de outras musas sabia da sua gravidez, mas não do seu desprezo e vinganças. Se a mulher tivesse dito uma palavra, o filho ainda teria Pai, e o Pai ainda seria amante!
Estou vivo, ainda vivo e amo, mesmo que sem o consolo de ter o meu corpo, mas com estes meus dois olhos, inexplicavelmente inteiros. De cor cinza, desde o meu nascimento eles já se predestinavam a acabar, apenas, olhos e cinzas!
Só me restam estes dois olhos perdidos no mundo, perdidos, mas honrados. Amam e não se cansam de tanto amar. O meu corpo, no meio das labaredas vermelhas, azuis e amarelas, deixou de ser corpo, de ter a cor da pele. E não pensem que guardo rancor, ao meu menino, é filho, sangue do meu esperma, tive outros, mas este é especial, traçou-me o destino. 
O SEU ÚNICO OFÍCIO,
                                              SOFRER…

©Ione França


sábado, 8 de novembro de 2014

As cores de muitas vidas...

Manhãs de sábado no Van Gogh Museum, Amsterdam. Novos olhares para o mesmo mundo...
Ione França e Mário de Moura

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

São manhãs em que acordo rebelde


São manhãs
em que acordo rebelde
Bebo o café
com a severidade 
de quem
engole a hóstia
E confesso às chávenas
Os pecados do dia
Ainda não cometidos

(c)Ione França